segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O Cesar Passarinho não morreu!

                Pasmem! O Cesar Passarinho não morreu! O vi cantando ontem a noite, a mesma canção que ele defendeu na sua última participação em uma Califórnia!
                Muitos sentimentos, emoções, realizações! Tudo estava em voga aquela noite. A reunião era modesta no estilo, não no motivo, nem no conteúdo! A razão era celebrar o lançamento e o sucesso do CD alusivo aos 100 anos da ETA (escola Técnica de Agricultura, de Viamão), a primeira do país neste segmento, e quiçá projetar um Festival para o ano que vem!
                Estavam ali reunidos professores, funcionários e alunos da escola, somados ao payador Araby Rodrigues, alguns compositores, músicos e outros profissionais da música e da cultura gaúcha. E eu, só de metido. Por que na música, tenho talento só para ouvir!
                A vida nos reserva momentos que nenhuma imagem é capaz de retratar na intensidade que ocorrem! Após as homenagens merecidamente ofertadas pelos professores Carpenedo e Alexandre “Trambelho” Nessy, foi dada a largada para a tertúlia que informalmente se formava.
                Melhor largada, impossível! Os versos de D. Araby, amadrinhado pelo violão de Carlos Madruga! Em versos singelos e puros, este mestre da arte pajadoril relatou a importância da amizade, dos ali presentes e principalmente dos 100 anos de história da ETA. Depois da payada, uma poesia, com a mesma pureza, fez abrir o coração de todos para o que viria a seguir, o momento alto, o momento mágico da noite! O Cesar Passarinho nos dando mais uma chance de assisti-lo!
                Quando o Madruga se apresentou anunciando que música cantaria, surgi rapidamente entre o público, meu amigo e excepcional músico Zé Blanco, montando sua flauta as pressas, para fazer-lhe um costado e relembrar aquela Califórnia! Adivinhem: o tema era “Canto de Ausência”, letra de Armando Vasques e música do próprio Madruga.
                Embora alguns tenham visto o Madruga cantando, era só ilusão! O Madruga só estava tocando violão, por sinal, com maestria ímpar! Junto ao sopro dolente da flauta surgiu um canto levemente rouco de calhandra, e era o Passarinho sim, tenho certeza!
                               “se eu me for o que será de nós
                               Quem vai domar os potros, recorrer a invernada
                               Quem vai servir meu mate, me amar na madrugada
                               Se eu me for o que será de mim, o que será de ti
                               Se eu me fizer estrada...
                Além do violão, da flauta e deste pássaro cantor, nada mais se ouvia! Só o silêncio, quase uma reverência, tomava conta da noite!
                               ...quando ao longe gritar o quero quero
                               Por certo lembrarás que ainda te quero bem
                               E da varanda tu olharás pra o campo
                               E me verás chegando, mesmo sem ver ninguém...
                Obrigado Trambelho e Dionathan pelo convite, Eudes, Carlos Moacir e Inácio Guerreiro pela parceria.
Obrigado Madruga e Zé Blanco por nos permitirem mais está chance de assistir Cesar Passarinho, a Calhandra Imortal das Califórnias!
                ... se eu partir o que será de ti
                O que será de mim, quando tivermos sós!


Henrique R. Noronha

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Respeito - Leandro Araujo

Ao contrário do que muita gente pensa, os homens que viviam no campo, mesmo nos recantos mais distantes da civilização urbana, sempre foram muito vaidosos. Não a vaidade baseada no consumo ou padrões de beleza como vemos nas comunidades cuja mídia dita as maneiras de vestir e andar, mas uma vaidade relacionada ao meio em que o homem estava inserido e as ferramentas que facilitavam a interação com este meio.


Era vaidade temperada com orgulho. Era a faca que cortava mais, um artefato de couro bem acabado, o cavalo mais rápido, a arma de melhor pontaria, um enxame de abelhas que deu mais mel, o maior peixe pescado em uma pescaria ou outras coisas que para nós hoje não tem significado algum, mas que nos tempos do vô Cungo tinham uma importância cabal.

Sempre via os olhos do vô brilharem quando contava a respeito daquilo que lhe davam orgulho, que o deixava maior ou melhor diante dos amigos ou das comunidades onde estava. Dentre estes “mimos” houve muitos cachorros. Bons de caça ou para a lida do gado, era com uma alegria de guri que contava de casos onde um cachorro afundava no rio agarrado a um capincho e só voltava à tona com o bicho junto. Quantos cães ele teve que valiam mais que uma pessoa no trabalho com a pecuária, ou então que eram apenas bons companheiros para camperear ou para tomar mate no galpão. Dentre tantos animais fantásticos, tinha um que lhe embaçava os olhos sempre que contava de suas proezas. O nome do cão: Respeito.

Respeito foi um dos cachorros que mais tempo acompanhou o vô Cungo. Era tão bom que outras pessoas que viviam no interior de Alegrete costumavam mandar seus cães para ficar alguns dias com ele para aprender a caçar ou lidar com o gado com a mesma eficiência e maestria. Caçava tatus e capinchos como nenhum outro cachorro nas redondezas. Brigava com um “mão-pelada” de igual para igual e, por mais de uma vez, alertou o vô a respeito de cobras venenosas que estavam pelo caminho ou em volta da casa.

Na lida campeira agia tal qual um peão experiente. Na mangueira apartava o gado com apenas um comando de voz. Tropeando, não precisava nem mandar quando uma rês se desgarrava, tratava logo de trazê-la de volta à tropa.

Parceiro de todas as horas, jamais latira para criança nenhuma, muito pelo contrário, era bastante paciente com a gurizada. Costumava deitar em silêncio durante a hora do chimarrão, e à noite era um sentinela vigilante, sempre atento a movimentos estranhos ou ataques dos sorros, os quais já havia matado três que vieram roubar galinhas durante a madrugada.

Resumindo, podia-se dizer que Respeito era a personificação da lealdade de um cão com seu dono.

No entanto, quem vive no campo sabe que convivência entre homens e animais é delimitada por uma tênue linha, que muitas vezes pode se partir sob a menor tensão. Os animais campeiros são funcionais, sejam cavalos, bois ou cachorros. A submissão é necessária, pois muitas vezes há necessidade de algo que vá além da confiança, pois a produtividade do pequeno produtor é essencialmente de subsistência, e qualquer quebra da ordem natural pode representar um prejuízo à família. A relação homem X bicho jamais se sobrepõe ao interesse da estabilidade familiar. Existem casos extremos de histórias de pessoas que tiveram que sacrificar animais de estima para que seus entes pudessem se alimentar, ou então que mataram animais de casa porque estes estavam representando algum risco à integridade das pessoas próximas.

A história do cão chamado de Respeito não termina da forma mais bela, e aqui talvez não caiba julgamento sobre o que seria certo ou errado em seu desenlace, mas uma reflexão a respeito do rígido código de moral e ética que compunha a formação destes homens, mulheres e crianças que viviam em um universo completamente alheio ao que vivemos hoje em dia.

Continuando a história, é de conhecimento de todos que no interior as pessoas têm o costume de “sestear” à tarde, logo após o almoço. Hábito esse que faz parte da cultura destas pessoas desde que existe campo. Visto que depois da sesteada daquele dia o vô Cungo não enxergou o Respeito nas proximidades da casa, logo pairou uma desconfiança no velho campeiro. Nos quatro dias seguintes o fato se repetiu; durante a sesta o Respeito desaparecia, e voltava a reaparecer horas depois. Chegava de cabeça baixa, com o rabo entre as pernas, se enfurnava no galpão e lá ficava como que se escondendo após ter cometido um erro imperdoável.

Vô Cungo não teve dúvida, e naquela sexta-feira chuvisquenta de agosto ficou observando de longe seu cachorro, e seguiu-o discretamente para ver qual o destino de suas fugas diárias. Viu-o entrar em uma grota que ficava há uma centena de metros da casa e mansamente enfurnou-se naquele pequeno universo formado por sombras e verdes. Os olhos do Cungo encheram-se de horror quando viu a cena: embaixo de uma aroeira, Respeito estava envolto em um cenário de sangue, lã e restos de cordeiros recém mortos.

Fantástico texto escrito e gentilmente cedido por Leandro Araujo, publicado anteriormente no blog do autor:
http://blogdoleandro.arteblog.com.br/184985/Respeito/

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Cancioneiro das Coxilhas

Oh de casa! Oh de casa!
Quanta alegria se sente
Quando alguém nos recebe!...

Assim, em uma tarde destas de sol, chegamos na Capital para uma visita há muito esperada e que muito engrandece este jornal. Na porta à nos receber: Neura Bertussi! Uma dos oito filhos de Honeyde Bertussi, um ícone da música e da história deste Estado!
Era uma vez, lá no Rincão da Mulada... bem poderia começar assim esta história, devido a grandiosidade e aos encantos que encerra! A Criúva, na época interior de São Francisco de Paula, hoje de Caxias do Sul, viu nascer e se forjar os “Cancioneiros das coxilhas”, denominação que apresentou Honeyde Bertussi ao Brasil e em seguida a dupla “Irmãos Bertussi”, a primeira dupla de acordeonistas do país, com Honeyde e seu irmão Adelar Bertussi.
Tentamos nesta tarde histórica reviver momentos pitorescos da trajetória Bertussi, momentos ímpares, fatos memoráveis do homem Honeyde Bertussi e não do artista. Tentamos, porém sem grande sucesso! Separar a história pessoal do Honeyde de sua arte é uma tarefa praticamente impossível para nós!
Autodidata, encantado pelo acordeon desde guri, construiu assim sua ilustre trajetória na música. Da música ergueu sua família. De sua desendência, oito filhos, todos “formados”, algo que para ele era motivo de orgulho. Até mesmo o irmão Adelar foi influenciado a estudar. Em uma época onde usar bombacha era “grosseria”, ele pensava que ao menos tendo um “diploma” poderiam ajudar a desmanchar esta imagem.
Além de Adelar, Honeyde também fez dupla com seu filho Daltro, formando a dupla “Os Bertussi”, nome mais tarde adotado por Adelar e que segue até hoje, com Gilnei Bertussi, filho de Adelar.
Perfeccionista e estudioso, levava a gaita e a música com extrema seriedade, bem como sua apresentação pessoal e de seus acompanhantes, todos que os cercavam eram “impulsionados”, estimulados a estudar música a fundo, a entender a música, na prática e na teoria!
Nesta busca incessante pela perfeição, criaram o estilo “Bertussi” da música gaúcha, a música serrana, uma marca, uma identidade, um “toque” inconfundível mesmo para gerações mais novas que não puderam acompanhar de perto o seu trabalho!
Honeyde sabia da responsabilidade que carregava pela valorização das nossas verdadeiras raízes e pelo fortalecimento do tradicionalismo gaúcho! Com sua música autêntica, “Os Bertussi” adentraram o Brasil, divulgando nossa arte. Foram shows no Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus e diversos outros locais deste imenso país.
O sucesso total de sua discografia veio pelo esforço que dedicaram a música! Sem nunca ser “comercial”, a preocupação era acima de tudo com a perfeição e com autenticidade. Com ritmos e sotaque gaúchos, teve o prazer de ver seus discos rodando até mesmo em rádio do exterior!

E pensar que toda esta trajetória começou lá na Mulada, com a Banda do Seu Fioravante, pai de Honeyde e Adelar. A família sempre foi ligada a música. Aos dezoito anos Honeyde decide vender alguns bois e investir em uma gaita. A família não achava isso “nenhuma maravilha”, visto que a música nem era considerada uma profissão de grande prestigio na época.
Em poucos meses Honeyde já esta animando o primeiro baile de sua carreira. A orquestra que iria animar uma festa em São Jorge da Mulada foi impedida de chegar devido a uma chuvarada que encheu o rio da Mulada, isso em 1942, tiraram o Honeyde da cama para dar um jeito de animar a festa pois o “povo” já estava reunido! E lá se foram, Honeyde e o irmão Valmor, gaita de boca, violão, chocalho e acordeom, foi um sucesso!
Assim como este, outros bailes de “cinema” foram acontecendo em sua carreira. Compromissado com o público, não aceitava que qualquer obstáculo o impedisse de comparecer a um compromisso e animar um baile, nem que para isso fosse preciso bater de porta em porta na vizinhança para pedir lampiões emprestados e tocar um baile bem no meio do salão, afinal, não ia perder uma festa destas só porque faltou luz!
Como tudo na vida não são só alegrias, também ocorreram fatos que o marcaram com tristeza, como um baile que foram contratados para animar no interior do estado e lá encontraram o salão dividido ao meio, do lado direto os brancos, do lado esquerdo, os negros, e no meio, lá no palco Os Bertussi. Com o compromisso de animar a festa mas contrariado “como gato a cabresto” com aquela “divisão”. Tristes e indignados com o fato que ali assistiam e que também dividia suas mentes! Para que lado olhar? Para quem tocar? Quem merece mais atenção? Em fim, por que dividir se somos todos irmãos?

E lá se foi a nossa fantástica e histórica tarde!
- Essa vocês não podem deixar de escutar! (era a musica Novidade Velha)
- Só mais esta! Está é o “Rei do Chotes”, papai dizia!
Assim vieram mais umas quantas música e a Neura não nos deixava ir embora. Que orgulho e que brilho ela carregava nos olhos ao falar dos feitos de “Os Bertussi” e principalmente do “papai” Honeyde!
Assunto? Este tínhamos para mais umas quantas edições do Jornal da Querência, mas nosso tempo era curto, e apesar da fantástica recepção que tivemos, fomos nos dirigindo a porta, e ainda escutando algumas daquelas história “encantadas”!

Não há como não querer voltar lá e compartilhar mais um chá daqueles, recheado de tantas histórias!


Obrigado “Tia Neura” (que assim me permito chamá-la) e seu esposo Danilo Todeschini pela fantástica tarde que tivemos!

Henrique Noronha